O texto foi escrito por RAFAEL
LAURO.
disponível no site https://razaoinadequada.com/2013/11/23/curriculo-rizomatico-tres-principios/
Um olhar um pouco mais
atento ao currículo das nossas escolas perceberá rapidamente que, no seu
conteúdo declarado, ele é resultado de uma dupla-herança triste (veja aqui) e, em sua
porção oculta, é autoridade velada (veja aqui). Nos textos
anteriores, realizamos rapidamente estas duas críticas. Chegamos ao momento de
pensar ideias combativas e resistentes ao modelo escolar de educação. Não basta
criticar, nossa carência é de propostas.
Não é de toda inovadora a
ideia de relacionar Deleuze e educação, aliás, há um documentário brasileiro que
explora bem a questão. O filósofo não dedicou um livro à educação, mas passou a
maior parte de sua vida como professor. Felizmente, temos acesso a algumas
dessas aulas através de registros textuais e auditivos. Se ele não desenvolveu
propriamente uma pedagogia, nada impede que utilizemos sua filosofia para tal.
O que nos impulsiona é o fato de que Deleuze não pensava na sua filosofia como
a fundação de uma escola, mas como um movimento: suas ideias são correntes,
seus conceitos são ferramentas passíveis de se manejar das mais variadas
maneiras.
“Uma aula quer dizer
momentos de inspiração, senão não quer dizer nada” Gilles Deleuze, Abecedário,
P de Professor.
É neste sentido que
pensamos em utilizar o conceito de Rizoma para repensar o currículo.
Atualmente, enxergamos nele uma rigidez muito semelhante à construção arbórea e
cartesiana do conhecimento, não apenas nos conteúdos, mas na estrutura, na
organização. O principal problema do currículo organizado como árvore é a
assunção de que há uma hierarquia de interesses, de que há uma raiz sólida
que sustenta toda a formação, de que a forma pela qual se aprende
passa necessariamente por alguns pontos fundamentais, de que os tão
saborosos frutos só resultam de um caule que sustente o seu peso. Ah!
Que contradição – não queremos pensar no peso, mas na leveza.
“Toda vez que uma
multiplicidade se encontra presa numa estrutura, seu crescimento é compensado
por uma redução das leis de combinação” Deleuze & Gattari, Mil Platôs I
Pressupor a verticalidade
no ensino é desconsiderar a maior necessidade de qualquer aprendizado: o
interesse. Não há interesse em ser designado para algum estudo, há submissão.
Os três erros capitais: definir o quê, como e quando estudar.
Basicamente tudo o que nosso currículo faz. Mas o que resta do currículo se
eliminamos isto? Quais podem ser suas diretrizes?
Na botânica, o rizoma é
um tipo de caule que cresce horizontalmente, um emaranhado de linhas que pouco
diferem das raízes. O resultado não é uma forma fechada e arbórea, mas
superficial e continuada. Deleuze e Guattari desenvolveram no primeiro volume
de Mil Platôs, um conceito filosófico de rizoma (leia mais aqui), do qual eles derivaram uma
série de princípios. Pensemos apenas os três primeiros para ter uma primeira
ideia do que seria um currículo baseado nesse conceito…
“Um rizoma não começa nem
conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser,
intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A
árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e… e… e…” Deleuze
& Gattari, Mil Platôs I
O primeiro e segundo
princípios são: conexão e heterogeneidade. Tudo está em contato.
Não existem impedimentos significativos entre pessoas, assuntos e espaços.
“Qualquer ponto do rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo”. Ao
contrário da árvore, não há um ponto central que sustenta todo o resto, um
centro gravitacional que estrutura todo o organismo. Há diferentes
investimentos para todos os lados, não há um sentido. Se a
interdisciplinaridade é o termo da moda nas escolas, aqui ela seria redundante.
Não há algo como “disciplinas”, há contato entre tudo, o diálogo entre todas as
áreas não é só possível, como é um resultado direto deste tipo de currículo.
O terceiro é o da
multiplicidade. “Uma multiplicidade não tem sujeito nem objeto, mas
somente determinações, grandezas, dimensões, que não podem crescer sem mudar de
natureza”. O fim último de qualquer investimento educacional nunca deve ser a unidade.
A unidade é a derradeira aposta na forma. O rizoma não tem nenhuma forma. A
escola não forma nada. O rizoma é produção de linhas (de intensidade, de
fuga…). A educação potencializa – só essa é sua função: tornar cada um mais
forte para agir, mais capaz de entender suas próprias vontades, mais conhecedor
das relações e essências que o rodeiam. Educar para a transformação e não para
a conservação, pois a própria condição da multiplicidade é o movimento, que
tudo altera, tudo muda.
“A árvore ou a raiz inspiram
uma triste imagem do pensamento que não pára de imitar o múltiplo a partir de
uma unidade superior, de centro ou de segmento (…).”Deleuze & Gattari, Mil
Platôs I
Um projeto educacional
como este necessita de um grande recomeço. Embora possamos aplicá-lo em
qualquer situação, um currículo rizomático precisa de um lugar novo, de um
espaço que ainda não existe, ou talvez esteja sendo criado. Precisa que
deixemos de ignorar a matéria mesma de toda educação, que é o aluno. Exige,
além disso, que aquele que se nomeia “educador” esteja de fato interessado pelo
que diz, pelo que ouve e pelo que vive. A educação há de causar antes de tudo
algum entusiasmo…